segunda-feira, 25 de maio de 2009

8. Entrevista GAPV (Delegacia da Mulher)

Delegada do Grupo de Assistência a Pessoas Vulneráveis.

Dra. Georlize Teles.

  1. Quais os crimes mais comuns, cometidos contra as mulheres?

    Resposta: Os crimes mais comuns são Lesão Corporal, Ameaça, e crimes contra a honra em geral, em especial injúria e difamação.

  2. Quais os traços semelhantes que surgem entre a maioria das vítimas (mulheres)?

    Resposta: A violência doméstica é "a mais democrática possível", pois atinge desde classe alta até as classes inferiores. A semelhança se baseia unicamente no fato de todas as vítimas serem mulheres, ao passo que são violentadas por este fator, determinado pela vulnerabilidade que as atingem derivado de traços culturais enraizados em nossa sociedade.

  3. A senhora acredita que houve uma queda no número de mulheres vítimas da violência doméstica após a edição da Lei Maria da Penha?

    Resposta: Houve apenas, num primeiro momento, por conta do impacto da lei, todavia não há que se falar em redução na prática da violência doméstica. Vale ressaltar que, enquanto não houver uma alteração cultural, não haverá diminuições deste tipo de delito. "A lei não muda a cultura". Deve-se haver uma mudança cultural no sentido de a mulher deixar de ser objeto, passando a ser sujeita da relação.

  4. Existe algum encaminhamento das vítimas para órgãos que auxiliem em sua recuperação?

    Resposta: Cada atendimento é diferenciado, pois as vítimas possuem uma realidade individual. Infelizmente não conseguimos dar conta de atender às vitimas da forma desejada. Mas hoje já garantimos uma forma de atendimento. A vítima de estupro, por exemplo, passa por todo um fluxo, que vai, primeiramente, à própria Delegacia da Mulher, onde ocorre o atendimento policial (a demanda jurídica); passa pelo IML, no qual temos toda a parte pericial relativa ao crime; pela Maternidade Nossa Senhora de Lurdes, onde serão realizados exames, tais como aqueles que constatam doenças sexualmente transmissíveis, com o intuito de garantir a integridade física e a higidez da mulher, além de métodos preventivos no tocante à possível gravidez e, por último, o atendimento psicossocial no CREA São João de Deus. Em casos de violência doméstica de cunho físico, a mulher deverá ser encaminhada ao IML e, se for caso de grave lesão, a um hospital tal como Nestor Piva ou João Alves, isso se a vítima não tiver um plano, obviamente. Por fim, em casos de crime contra honra, caberá apenas o registro na Delegacia.

  5. Qual o procedimento adotado quando as vítimas são meninas menores de idade?

    Resposta: Em caso de menores, o atendimento será diverso. Continua num Centro de Atendimento, todavia em outro Cartório e, altera minimamente o fluxograma, sendo a vítima encaminhada também ao Conselho Tutelar.

  6. Da capital sergipana, qual localidade expressa um maior número de vitimas (mulheres)?

    Resposta: Ocorre uma freqüência maior de denúncias de vítimas advindas de bairros periféricos, pois estas não têm outro meio para recorrer. Já a classe alta possui outros subsídios para tanto, como o auxílio de psicólogos, etc.

  7. A Delegacia da Mulher é um órgão competente para promover campanhas no combate à violência, ou esse tema incumbe a outro Órgão?

    Resposta: A Delegacia da Mulher promove programas educativos, tais como palestras, entrega de panfletos, com o intuito de conscientizar a população quanto à ocorrência destes crimes.

  8. Qual a ocorrência mais impressionante que a senhora já presenciou em relação às vítimas mulheres?

    Resposta: A delegada presenciou diversos casos em que tiveram início com um simples bate-boca e culminaram em homicídio.

    Um caso interessante que a mesma presenciou foi o de uma vítima que se encontrava hospitalizada com graves lesões corporais, estando incapacitada, inclusive, de se deslocar até à Delegacia. Todavia esta não quis prestar noticia-crime, devido ao fato de o infrator ser traficante e o auxilio proporcionado pela Casa-abrigo não possibilitar uma eterna segurança para ela.

  • 9. VÍTIMA E POLÍTICA SOCIAL

Dentre os vários centros de interesses a serem enfocados pela Vitimologia na busca do conhecimento acerca da vítima, seu comportamento e relação com os agentes e protagonistas do fato delitivo, bem como do conjunto de forças que levam ao cenário criminal, citados por Molina, tem enorme relevância a política de ressocialização da vítima.

Esta relevância se dá em virtude da existência de uma política criminal voltada em grande parte para o delinqüente, o qual recebe toda a atenção do Estado, quer seja para a imposição da sanção cabível, quer seja para a sua ressocialização e garantia efetiva de seus direitos. A vítima, por outro lado, sofre com a desconfiança, suspeitas ou compaixão do poder público e dos particulares, sendo seus direitos e necessidades renegados a um segundo plano ou até mesmo esquecidos.

Cabe à Vitimologia ressaltar a importância de uma análise acerca dos prejuízos sofridos pela vítima em virtude do delito (vitimização primária) e da investigação e o processo (vitimização secundária), além da necessidade de reinserção ou ressocialização, dos programas de assistência, etc.

É sabido que os danos causados à vítima vão muito além da lesão ou perigo de lesão do bem jurídico. Existe ainda, em algumas situações, efeitos colaterais e secundários, o impacto psicológico (em que a experiência traumatizante vivida permanece em seu inconsciente, provocando medo, angústia, ansiedade, depressão, etc.), a própria atribuição de responsabilidade ou autoculpabilização (pela necessidade de explicar o fato). Segundo Molina, estas conseqüências são agravadas pela sociedade, ao estigmatizar a vítima, tratando-as com desconfiança, receio ou compaixão, bem como pelas pessoas próximas, ao tratá-las como "perdedoras" ou como "responsáveis pelo castigo merecido" (culpabilização).

O trauma é também agravado pelo tratamento dispensado pelas instâncias de controle penal (polícia, juízes, etc.) que fazem a vítima sentir-se um mero objeto ou pretexto de investigação rotineira, sem dar a devida atenção às suas necessidades e expectativas decorrentes dos danos sofridos. Tem-se então a vitimização secundária, onde a vítima do crime passa a ser também a vítima do sistema legal, sendo esta ainda mais preocupante que a vitimização primária. Este conjunto de condutas provoca a mudança de hábitos e estilo de vida, contribui para o isolamento social e até mesmo a marginalização da vítima. Para corroborar este pensamento, diversas pesquisas demonstram que boa parte dos atuais infratores foi vitima no passado, as quais não tiveram a devida atenção por parte dos poderes públicos e dos particulares.

Diante desta constatação, a Vitimologia exerce papel fundamental na formulação de programas voltados para a assistência, reparação, compensação e tratamento das vítimas dos delitos, dentre os quais Molina destaca:

  1. Programa de assistência imediata: são programas privados voltados para certos delitos que geralmente não são comunicados às autoridades, cometidos contra grupos específicos, como de idosos, mulheres violadas ou maltratadas, etc. ou para as vítimas em geral. Em regra são financiados por instituições privadas, autônomas e independentes da Administração pública ou por meio de convênios e objetivam atender às necessidades materiais, físicas ou psicológicas essenciais das vítimas, suprindo as deficiências do acompanhamento dos órgãos públicos.
  2. Programas de reparação ou restituição de responsabilidade do próprio infrator: estão inseridos no sistema jurídico-penal e são destinados a viabilizar o pagamento em dinheiro, a realização de determinadas atividades ou a prestação de serviços pelo próprio infrator diretamente à vítima, como reparação dos danos ou prejuízos provocados. Esta espécie de programa tem vários aspectos positivos, dentre os quais: permite que o infrator perceba a extensão dos danos causados; desenvolve uma relação positiva entre o delinqüente e a vítima; gera uma maior satisfação da vítima do que se a restituição partisse do Estado; contribui para a ressocialização do infrator, na medida em que ele, além de sofrer o castigo, se compromete pessoalmente em efetuar o pagamento ou realizar a atividade, etc.

    Entretanto, tais programas sofrem limitações, o que restringe sua aplicabilidade a delitos menos graves, praticados por delinqüentes jovens e primários e atendendo a circunstâncias pessoais do infrator. Estas limitações se dão em virtude dos seguintes aspectos:

    1. São aplicáveis para os crimes de natureza privada ou aqueles vistos sob esta perspectiva, o que nem sempre é possível;
    2. Em alguns crimes, é impossível manter uma relação de confiança entre a vítima e o infrator;
    3. A restituição por meio de pagamento em dinheiro resta prejudicada em função da capacidade econômica do infrator.
  3. Programas de compensação à vítima: surgidos nos países anglo-saxônicos, estes programas visam satisfazer parte dos custos da vitimização por meio de pagamento de seguros ou indenizações pelo Estado, sob o fundamento de solidariedade social com a vítima e da parcela de responsabilidade estatal pelo fracasso na prevenção dos delitos mais violentos.

    Podem ser destinados a compensar vários prejuízos, entre os quais:

    1. Perdas econômicas derivadas da vitimização e da incapacidade laboral;
    2. Gastos com tratamento e hospitalização;
    3. Sofrimento causado pela vitimização;
    4. Para apoio dos dependentes das vítimas (idosos, menores, etc.).

    Entretanto, para o recebimento dos valores são necessários alguns requisitos:

    1. Inocência da vítima;
    2. Cooperação com o sistema legal (prévia notícia do delito ou comparecimento para prestar declarações);
    3. Solicitação expressa das ajudas;
    4. Eventual demonstração da falta de meios que justifique o pedido de indenização.

    Inicialmente estas espécies de programas despertaram a desconfiança e o receio de que poderiam fomentar a despreocupação ou negligência das vítimas potenciais, a "despersonalização das vítimas ou aumentar a criminalidade, influenciar o comportamento das vítimas ou na freqüência das condenações. Contudo, a experiência mostra que estes temores eram infundados, uma vez que não se confirmaram.

    Por outro lado, alguns defeitos foram detectados nestes programas, como bem salienta o doutrinador Antônio Garcia-Pablos de Molina, que merecem registro: a manipulação política dos programas "vitimagógicos" para fins eleitoreiros e a idéia de que este tipo de programa, por si só, é suficiente para conferir à vítima todo o apoio que esta necessita. Cabe ainda ressaltar a existência de algumas críticas referentes à sua efetividade. De acordo com várias investigações realizadas, conclui-se que a efetividade tem sido mínima em função do desconhecimento por parte das vítimas e das dificuldades encontradas no longo e complicado processo de busca desta compensação, descrita como "vitimizadora" por algumas das vítimas investigadas. As investigações demonstram também que a resposta da vítima, sua colaboração com o sistema e sua atitude em relação aos agentes do sistema não foram os esperados, ficam muito abaixo do desejado.

  4. Programas de assistência à vítima-declarante (vítima-testemunha): trata-se aqui de programas direcionados às testemunhas do delito. Assim, são de interesse tanto da vítima quanto do próprio sistema, que desejam obter as informações necessárias para a elucidação dos crimes cometidos. Sua atuação é por meio de informação, aconselhamento, facilitação de sua atuação no processo, proteção contra os problemas materiais e o eventual impacto negativo decorrente do processo ou do comportamento dos agentes de controle social penal formal ou informal. É disponibilizado ainda um advogado para prestar-lhe assessoramento jurídico e assistência pessoal.

    É importante frisar que a nossa Carta Magna de 1988 trouxe em seu bojo a questão dos direitos humanos em sua plenitude, atribuindo ao Estado a função de elaborar políticas públicas voltadas a assegurar estes direitos. Em seu arts. 144 e 245, a CF/88 estabelece que:

    "Art. 144 A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (...).

    Art. 245 A lei disporá sobre hipóteses e condições em que o Poder Público dará assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, sem prejuízo da responsabilidade civil do autor do ilícito."

    Existem também resoluções e recomendações internacionais no sentido da estruturação de sistemas públicos destinados à reparação das vítimas de crimes, ao menos quando se tratar das infrações mais graves, quando o infrator não puder ser punido ou, podendo ser punido, não possua bens suficientes para arcar com a reparação devida. A título de exemplo, podemos citar a Resolução n. 40/34 da Assembléia Geral das Nações Unidas, aprovada em 29 de novembro de 1985, que instituiu a Declaração sobre os Princípios Fundamentais de Justiça para as Vítimas de Delitos e do Abuso de Poder. Esta Resolução dispõe, dentre outras garantias às vítimas, sobre o ressarcimento devido às vítimas pelo infrator, e a indenização, a cargo do Estado, quando o valor pago pelo infrator ou procedente de outras fontes não seja suficiente.

    Diante disto, fica evidente a responsabilidade subsidiária do Estado quando se tratar de crimes dolosos violentos que tenham por resultado a morte da vítima. Cabe ao Estado, enquanto pessoa jurídica responsável, a obrigação de implantar medidas assistenciais em favor das vítimas, sob pena de responder pelos danos decorrentes de sua ineficácia ou omissão. Encontramos também no art. 74 da Lei n. 9.099/95 o instituto do acordo civil de reparação de danos, para os casos de infração de menor potencial ofensivo, em que há o ressarcimento pelos danos causados à vítima pelo delinqüente.

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